A luta pela internet livre
Por Antonio Martins, no sítio Outras Palavras:
Na
noite de quarta-feira (18/1), quando alguns dos sites de maior
audiência no planeta ainda exibiam os símbolos da campanha contra as
leis de censura em debate nos EUA, surgiram os primeiros sinais claros
de vitória. Diversos parlamentares, de ambos os partidos, que apoiavam
os projetos denominados SOPA [1] (na Câmara de Representantes) e PIPA
[2] (no Senado), anunciaram (no Twitter ou Facebook…) que estavam
revendo suas posições. No Senado, a mudança de clima teve sabor de um
gol nos últimos suspiros do segundo tempo. Há poucas semanas, o Comitê
Judiciário (semelhante à Comissão de Constituição e Justiça no Brasil),
havia aprovado a PIPA – por unanimidade e sem nenhuma controvérsia. A
votação final começaria na semana que vem. Está suspensa. Mesmo os
principais defensores do projeto agora se dizem favoráveis a “decidir
sem pressa”.
Não
foi, evidentemente, um resultado definitivo. Há mais de uma década, a
internet está na mira de grandes corporações que não aceitam o
compartilhamento livre de bens culturais – porque ganham dinheiro
vendendo o que poderia ser de todos. Mesmo a SOPA e a PIPA não morreram:
estão “esperando nas sombras”, como alerta a Wikipedia, em nota
divulgada quinta-feira para celebrar e agradecer a mobilização dos
internautas contra as leis.
Um
sinal de que a disputa será longa e bruta deu-se já na quinta-feira.
Uma mega-operação conjunta do Departamento de Justiça dos EUA e do FBI
fechou, sob acusação de pirataria, o site MegaUpload. Era um espaço
muito popular para troca de conteúdo digital entre internautas (72ª
maior audiência da internet, segundo o comparador Alexa). Seu bloqueio
deu-se com base em legislação já existente. Teve dimensão internacional:
quatro pessoas estão presas na Nova Zelândia, por “crimes” (operar os
servidores do site) que podem resultar em 55 anos de prisão. Foi
consequência de uma ação movida contra o Megaload pelos cartéis da
indústria cultural; Tiveram seu prêmio de consolação… [3]
Pelo
menos dois grandes motivos convidam a examinar em profundidade a grande
jornada de quarta-feira e seu resultado. Há muito em jogo: SOPA e PIPA
poderão desencadear, se aprovadas, uma onda de proibições e limites
capaz de desfigurar o que o sociólogo Manuel Castells vê como a “cultura
de liberdade” na internet.
Além
disso, há laços muito fortes entre a resistência às duas leis e as
causas que sensibilizam os indignados, os participantes do Occupy, os
manifestantes da Praça Tahrir ou os que resistem à militarização da Luz,
em São Paulo.
-
Em todos estes casos, quem luta são multidões (principalmente jovens) e
não uma classe ou grupo social específico. Prevalece a autonomia: as
campanhas são organizadas diretamente pelos envolvidos, sem que seja
necessária a intermediação de grupos políticos ligados às dinâmicas da
representação.
-
Deseja-se impedir que o poder econômico capture o comum: riquezas (às
vezes imateriais), direitos e bens como a internet livre, os serviços
públicos, a possibilidade de encontrar uma ocupação ou almejar uma
aposentadoria dignas. Mesmo na Tunísia e Egito, onde a luta assumiu
forte conteúdo anti-ditatorial, ela foi deflagrada pelo desemprego e
alta do preço dos alimentos, após medidas de “ajuste fiscal”.
-
Denuncia-se o declínio da democracia (ou, no mundo árabe, sua
ausência). Enfrentam-se decisões que atingem gravemente a sociedade, mas
são tomadas sem nenhuma consulta a ela, de forma opaca, por “exigência”
da oligarquia financeira.
-
Propõem-se, ainda de forma embrionária e tateante, novas formas de
organizar a vida social. Os laboratórios podem ser as praças (onde se
reorganizam os serviços de alimentação, autoeducação, saúde, limpeza e
segurança) ou a internet, grande praça global. Os valores que orientam
esta busca têm forte caráter pós-capitalista: compartilhamento,
cooperação, solidariedade, desierarquização, democracia direta, busca de
consensos. Não se trata de disputar o comando das sociedades
industriais, como fazia o socialismo dos séculos passados; mas de
realizar a transição para sociedades articuladas segundo outras lógicas.
Não são projetos oníricos, mas concretos e às vezes pragmáticos. A
multidão já organiza a internet, em grande medida, segundo princípios de
compartilhamento. Ao criar “serviços públicos alternativos” nas praças
ocupadas do Egito, Espanha, Grécia ou Israel, os jovens sinalizavam que
querem construir o novo agora, com suas mãos.
Em
meio a tantas semelhanças, o protesto virtual desta semana distingue-se
de todos os demais em algo essencial. Ele foi capaz de alcançar uma
vitória. Concreta e muito relevante – ainda que parcial e provisória.
Estudar as razões desta diferença, buscar o que separa uma mobilização
bem-sucedida de outras que ainda amadurecem, é um exercício necessário e
sedutor. Desde já, vale adiantar quatro hipóteses, complementares entre
si.
A
primeira, e mais óbvia, diz respeito às pretensões absurdas da
SOPA/PIPA, em suas versões iniciais. Entre muitos outros pontos, as leis
incluem uma forma de controle da internet (bloqueio ou desvio de DNS)
idêntica à praticada na China, Irã ou Síria. Ferem o direito
internacional: são extraterritoriais – ou seja, atingem cidadãos e
empresas não submetidos às leis norte-americanas.
Estabelecem
penas inteiramente desproporcionais, como prisão para os “culpados” de
troca de arquivos. Permitem que os cartéis da indústria cultural façam
justiça com as próprias mãos (dispensa-se ordem judicial para medidas
como tirar um site do ar). Quem tramou semelhantes bizarrices confiou
cedo demais no esvaziamento completo da democracia tradicional.
Mas
as demais hipóteses são as mais fascinantes, porque dizem respeito ao
debate sobre estratégias, necessário também nos movimentos que
reivindicam autonomia. Tudo indica que o #StopSOPA alcançou sua vitória
parcial porque: a) definiu muito claramente um foco, um objetivo
concreto a ser alcançado. Foi além das fórmulas ambiciosas porém
genéricas demais, e portanto inócuas, do tipo no nos representan; b)
apoiou-se no tecido pós-capitalista da internet – muito mais
desenvolvido que nas demais relações sociais. A rede está povoada por
iniciativas contra-hegemônicas de enorme alcance. A Wikipedia e o
WordPress, por exemplo, servem centenas de milhões de pessoas todos os
dias e articulam comunidades de milhões; c) explorou contradições no
campo do capital. Nos protestos de quarta-feira, chamou enorme atenção a
adesão do Google, cuja página de entrada exibiu uma tarja negra sobre
seu próprio logotipo e a mensagem: “Diga ao Congresso: por favor, não
censure a Web” – que remetia a um excelente texto (in)formativo. Que
Parlamento ousará adotar uma posição antipopular tendo um adversário
como estes?
Como
se armou este conjunto de condições muito particulares? Será possível
construir, em lutas futuras, cenários igualmente favoráveis? É o que
tentaremos examinar, em textos futuros desta série.
Notas
1- Stop Online Piracy Act, ou Lei contra a Pirataria Online.
2- Protect Intellectual Property Act, ou Lei para a Proteção de Propriedade Intelectual.
3-
Como a ação contra o Megaload foi movida pelos cartéis da indústria
cultural, o coletivo Anonymous lançou, em 20/1, uma onda de ataques que
derrubou, por algumas horas, os sites do cartel fonográfico (a RIAA), da
Universal Music e do próprio Departamento de Justiça.
COMENTÁRIO
DO BLOGUEIRO: Artigos como este e muitos outros e muitas formas de
repúdio a esse grave AI 5 da Internet reflete no poder do capital e a
tentativa de calar milhões cidadões como eu que hoje tem o direito de
produzir livremente nossos pensamentos e opiniões sobre os temas a qual
defendemos, por tanto concordo e apoio os acontecimentos relatados a
cima.
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