Café Poético

A MANEIRA  MAIS AGRADÁVEL DE TOMAR UM CAFÉ...




O Relógio
(João Cabral de Melo Neto)

Ao redor da vida do homem

há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.
Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.
Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;
e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade

O fazedor de amanhecer
(Manoel de Barros)

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinasComo sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

Retrato
(Cecília Meireles)

Eu não tinha este rosto de hoje, 

assim calmo, assim triste, assim magro, 
nem estes olhos tão vazios, 
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas e frias e mortas; 
eu não tinha este coração 
que nem se mostra. 

Eu não dei por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil: 
- Em que espelho ficou perdida 
a minha face?




Quanto Mais Vela Mais Acesa
(Elisa Lucinda)



Um dia quando eu não menstruar mais
vou ter saudade desse bicho sangrador mensal
que inda sou
que mata os homens de mistério

Vou ter saudade desse lindo aparente impropério
desse império de gerações absorvidas

Desse desperdício de vidas
que me escorre agora mês de maio.

Ensaio:

Nesse dia vou querer a vida
com pressa
menos intervalo entre uma frase e outra
menos respiração entre um fato e outro
menos intervalos entre um impulso e outro
menos lacunas entre a ação e sua causa
e se Deus não entender, rezarei:

Menos pausa, meu Deus
menos pausa.



A Ponte
(Zila Mamede)


Salto esculpido

sobre o vão

do espaço
em chão
de pedra e de aço
onde não
permaneço
                   - passo.





Um Pássaro menor
(Robert Frost)


Quis, de fato, que o pássaro voasse
E próximo ao meu lar não mais cantasse.

Cheguei à porta para afugentá-lo,
Por sentir-me incapaz de suportá-lo.

Penso que a inteira culpa fosse minha,
E não do pássaro ou da voz que tinha.

O erro estava, decerto, na aflição
De querer silenciar uma canção.

(Tradução de Renato Suttana)




  Te Quiero
(Mario Benedetti)

Tus manos son mi caricia
mis acordes cotidianos
te quiero porque tus manos
trabajan por la justicia 


si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos 


tus ojos son mi conjuro
contra la mala jornada
te quiero por tu mirada
que mira y siembra futuro 


tu boca que es tuya y mía
tu boca no se equivoca
te quiero porque tu boca
sabe gritar rebeldía 


si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos 

 
y por tu rostro sincero
y tu paso vagabundo
y tu llanto por el mundo
porque sos pueblo te quiero 


y porque amor no es aureola
ni cándida moraleja
y porque somos pareja
que sabe que no está sola 


te quiero en mi paraíso
es decir que en mi país
la gente viva feliz
aunque no tenga permiso 


si te quiero es porque sos
mi amor mi cómplice y todo
y en la calle codo a codo
somos mucho más que dos.

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A Dança
(Pablo Neruda)

Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.




Canção do dia de sempre
(Mário Quintana)

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,

Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...



Geometria dos Ventos
(Rachel de Queiroz)

Eis que temos aqui a Poesia, 
a grande Poesia. 
Que não oferece signos 
nem linguagem específica, não respeita 
sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio. 
como o sangue nas artérias, 
tão espontânea que nem se sabe como foi escrita. 
E ao mesmo tempo tão elaborada - 
feito uma flor na sua perfeição minuciosa, 
um cristal que se arranca da terra 
já dentro da geometria impecável 
da sua lapidação. 
Onde se conta uma história, 
onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba, 
até à fronteira da loucura, 
junto com Vincent e os seus girassóis de fogo, 
à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao 
mesmo tempo 
fácil e insolúvel da sua tragédia. 
Sim, é o encontro com a Poesia.



Nova Canção do Exílio 
(Ferreira Gullar)

Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos


Pássaro Cativo
(Olavo Bilac)


Armas, num galho de árvore, o alçapão.
E, em breve,
uma avezinha descuidada, batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por es
plêndida morada, a gaiola dourada.
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo.

Por que é que, tendo tudo, há de ficar o passarinho
 
mudo, arrepiado e triste, sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorgeando a sua dor exalam, sem que os homens os possam entender.
Se os pássaros falassem,
 
talvez os teus ouvidos escutassem este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!

Gosto mais do alimento que procuro na mata livre em que a voar me viste.
Tenho água fresca num recanto escuro.

Da selva em que nasci; da mata entre os verdores,
tenho frutos e flores, sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola de haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído de folhas secas, plácido, e escondido.

Entre os galhos das árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?

Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!

Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...

QUERO VOAR! VOAR!..."

Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição.
E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão...




A Paz não é fácil
(Teresinka Pereira)

Apesar de tudo
há que celebrar a paz
para que os poderes mundiais
nao se apoderem da guerra.

Nos corredores dos palácios
e principalmente dos capitólios
vamos remover o egoísmo, a ambição
e a usura
e deixar que os cadáveres
façam a demonstração
necessária
para salvar o mundo
dos que ainda estão
vivos.



Além da terra, além do céu
(Carlos Drummond de Andrade)


Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.




O Tempo
(Mário Quintana)

O despertador é um objeto abjeto.
Nele mora o Tempo. O Tempo não pode viver sem
nós, para não parar.
E todas as manhãs nos chama freneticamente como
um velho paralítico a tocar a campanhinha atroz.
Nós
é que vamos empurrando, dia a dia, sua cadeira de
rodas.
Nós, os seus escravos.
Só os poetas
os amantes
os bêbados
podem fugir
por instantes
ao Velho...Mas que raiva dá no Velho quando
encontra crianças a brincar de roda
e não há outro jeito senão desviar delas a sua
cadeira de rodas!
Porque elas, simplesmente, o ignoram...


Poética

(Manuel Bandeira)

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar &agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.



A rosa de Hiroxima

(Vinícius de Morais)

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada


Negar essa cruz?
(B. Bueno)

Abjetas vestes pretas
E também as igrejas
Que dão tutela
Proteção e bíblia na mão
Aos homens órfãos de coração
E de índole de cão
Chamados de padres-nossos
Que estão aqui na terra
Com pedofilia
Como pão nosso de cada dia.

Abjetas vestes pretas
E também as igrejas.
Ao sumo pontífice
Seja dada toda honra
Todo mérito
Toda glória
Pelos atos não punidos
Pelos tampões nos ouvidos
Pela morte de muitos
E de tantos meninos.

Abjetas vestes pretas
E também as igrejas
Que na sua vã filosofia
E pobre teologia
Pensam que a caridade dada aos pobres
E da defesa das causas sociais
Podem esconder as cisternas
Podres e cheias de sangue
Das vidas santas tiradas.

Abjetas vestes pretas
E também as igrejas
Que no extremo de sua ignorância
Queimaram livros
Que nunca mais serão lidos 

Pela cultura do ataque
E a perda das obras de arte
Que teu clero confiscou.

Quem sabe são benditas
As palavras que sem medo
Não deixaram de ser ditas
E que o olhar de quem escreveu estas palavras
Não seja um dia
Somente, minhas palavras.



E pelo que morrer?
(Irismarqueks Alves) 

Pelo suor do meu trabalho,
por uma pátria desalmada
que permite que seus filhos morram de fome
ainda que rica, idolatrada,
salve, salve?

Salvem-se os salários que desde sua origem de muito gosto tem o sal,
que de tantos encargos,
de longe são leves e suaves seus jugos.

Salve ó pátria amada os que têm por glória
teu teto estelar e que nas calçadas sem armaduras e espadas
contra o frio e a violência não podem lutar.

Gigante seja teu cuidado com os que cultivam tuas flores;
e o latifúndio não conquiste “com braço forte”
os que de semente a semente,
semeiam “mais amores”.

Mae gentil,
faz da educação dos teus pequeninos símbolo de amor eterno
e dos teus professores maestros. Daí,
“verás que um filho teu não foge á luta”,
e que entre outras terras mil,
livre de pele senil,
serás tu, ó pátria amada, Brasil!

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